O AUTISMO EM POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS NA INTERFACE ENTRE SAÚDE E EDUCAÇÃO: DA SINGULARIDADE À EXCEPCIONALIDADE
Résumé
Na última década, com o aumento das taxas de prevalência do diagnóstico de autismo, o Estado foi convocado à formulação de políticas, elegendo majoritariamente crianças como público-alvo. Como preocupação de saúde pública, tais ações são interpretadas como investimento social. O objetivo deste artigo é analisar o imaginário social que torna possível leis brasileiras voltadas ao campo do autismo, na interface entre saúde e educação. Analisam-se os instrumentos legais quando a defesa de direitos desliza do reconhecimento da singularidade de um funcionamento à inscrição de uma marca de excepcionalidade. Os procedimentos metodológicos adotados foram revisão bibliográfica e de literatura. Além do texto de leis, as considerações estão pautadas no referencial psicanalítico, em interlocução com a sociologia, a antropologia e a psicologia. As conclusões apontam a reprodução de experiências de segregação quando o desenvolvimento psíquico é colado ao risco de autismo e em propostas que apartam crianças autistas do espaço comum.
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