O AUTISMO EM POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS NA INTERFACE ENTRE SAÚDE E EDUCAÇÃO: DA SINGULARIDADE À EXCEPCIONALIDADE

Palavras-chave: Autismo. Políticas Públicas. Infância. Laço Social.

Resumo

Na última década, com o aumento das taxas de prevalência do diagnóstico de autismo, o Estado foi convocado à formulação de políticas, elegendo majoritariamente crianças como público-alvo. Como preocupação de saúde pública, tais ações são interpretadas como investimento social. O objetivo deste artigo é analisar o imaginário social que torna possível leis brasileiras voltadas ao campo do autismo, na interface entre saúde e educação. Analisam-se os instrumentos legais quando a defesa de direitos desliza do reconhecimento da singularidade de um funcionamento à inscrição de uma marca de excepcionalidade. Os procedimentos metodológicos adotados foram revisão bibliográfica e de literatura. Além do texto de leis, as considerações estão pautadas no referencial psicanalítico, em interlocução com a sociologia, a antropologia e a psicologia. As conclusões apontam a reprodução de experiências de segregação quando o desenvolvimento psíquico é colado ao risco de autismo e em propostas que apartam crianças autistas do espaço comum.

Biografia do Autor

Letícia Vier Machado, Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Doutora em Psicologia (IPUSP) e Doutora em Sciences de l’Éducation (Paris 8). Docente do curso de Psicologia da Unicesumar – Maringá-PR. Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Psicóloga e psicanalista, atualmente professora universitária no curso de Psicologia da Unicesumar – Maringá-PR.

Leandro de Lajonquière, Universidade Paris 8

Doutor em Educação (UNICAMP). Livre-Docente da Université Paris 8 (Saint Denis-Vincennes, França), Pesquisador do Laboratório CIRCEFT da mesma universidade. Atualmente divide sua vida universitária entre o Brasil, a Argentina e a França. Após ter atuado como professor titular na Université de Caen Basse-Normandie, ingressou em 2015 ao departamento de ciências de educação da Université Paris 8 Vincennes Saint Denis, junto ao laboratório CIRCEFT EA 4384. Membro fundador da rede de pesquisa universitária INFEIES (América Latina) e da RUEPSY (Europa/América Latina). E também membro de CLIOPSY (França).

Adriana Marcondes Machado, Universidade de São Paulo (USP)

Docente do curso de graduação e pós-graduação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Mestrado e doutorado em Psicologia Social (USP). Docente do Departamento da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do IPUSP em 2010, leciona na pós-graduação desde 2012 e coordena o Serviço de Psicologia Escolar desde 2014. Membro do Grupo de Trabalho (GT) Subjetividade Contemporânea da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) e coordenadora deste GT no biênio 2019/2020. Pesquisadora do diretório do CNPq Análise Institucional e Saúde Pública (UNICAMP) desde 2018. Desenvolve trabalhos e pesquisas nas seguintes áreas e/ou temas: Psicologia Escolar, Relação Saúde Educação, Formação, Educação inclusiva, Pesquisa-Intervenção, Práticas em Análise Institucional. 

Referências

ADURENS, Fernanda Delai; MELO, Maribel de Salles. Reflexões acerca da possibilidade de prevenção do autismo. Estilos da Clínica, 22 (1), p. 150-165, 2017. DOI: http//dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p150-165. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1415-71282017000100009&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 23 jan. 2021.

ARANTES, Ricardo Lugon; COSTA ANDRADA, Bárbara. Militâncias de familiares de autistas e a economia política da esperança no Brasil de 2019. In: SURJUS, L. T.; MOYSÉS, M. A. A. Saúde mental de crianças e adolescentes. Ed. Unifesp/Abrasme, 2019. p. 89-104.

AYDOS, Valeria. A (des)construção social do diagnóstico de autismo no contexto das políticas de cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Anuário Antropológico, 44(1), p. 93-116, 2019. DOI: https://doi.org/10.4000/aa.3492. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/25442. Acesso em: 24 jan. 2021.

BERNARDINO, Leda Fischer. Os “tempos de autismo” e a clínica psicanalítica. Estilos da Clínica, 21 (2), p. 412-427, 2016. DOI: http://dx.doi.org/0.11606/issn.1981-1624.v21i2p412-427. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282016000200008. Acesso em: 23 jan. 2021.

BORELLE, Cécile. Diagnostiquer l’autisme: une approche sociologique. Paris: Presses des Mines, 2019.

BOURDIEU, Pierre. O campo político. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, 5, p. 193-216, 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-33522011000100008. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522011000100008. Acesso em: 23 jan. 2021.

BRASIL. Decreto 10.502 de 30 de setembro de 2020. Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Diário Oficial da União. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2020/decreto-10502-30-setembro-2020-790694-publicacaooriginal-161594-pe.html. Acesso em: 11 set. 2022.

BRASIL. Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em: 12 ago. 2018.

BRASIL. Lei 13.438, de 26 de abril de 2017. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para tornar obrigatória a adoção pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de protocolo que estabeleça padrões para a avaliação de riscos para o desenvolvimento psíquico das crianças. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 27 de abril de 2017. Seção 1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13438.htm. Acesso em: 03 dez. 2017.

BRASIL. Senado Federal. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância. Brasília, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm. Acesso em: 18 mai. 2018.

CATÃO, Inês. O diagnóstico e a intervenção precoce em bebês em risco de autismo e seus pais. Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. 2016. Câmara dos Deputados. Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Brasília, 2016. p. 323-331.

CHAMAK, Brigitte. Autisme et militantisme: de la maladie à la difference. Quaderni (online), 68, p. 61-70, 2009. DOI: 10.4000/quaderni.268. Disponível em: https://journals.openedition.org/quaderni/268. Acesso em: 24 jan. 2021.

DEMAILLY, Lise. Le champ houleux de l’autisme en France au début du XXIème siècle. SociologieS [En ligne], La recherche en actes, Champs de recherche et enjeux de terrain. 2019. Disponível em: http://journals.openedition.org/sociologies/9593. Acesso em: 25 set. 2019.

DEMAILLY, Lise; SOULÉ, Jérémie. Le repérage et l’accompagnement des personnes autistes adultes. Toulouse: Érès, 2019.

EYAL, Gil; HART, Brendan; ONCULER, Emine; OREN, Neta; ROSSI, Natasha. The Autism Matrix. Polity Press: Cambridge, UK, 2010.

FONSECA, Paula Fontana. Inquietações políticas em psicanálise e educação: o caso da educação infantil. São Paulo: Benjamin Editorial, 2019.

FRENTE PARLAMENTAR PARA DA PRIMEIRA INFÂNCIA. Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Câmara dos Deputados. Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Brasília, 2016.

INFANTE, Domingos Paulo. Alguns aspectos históricos metodológicos relevantes dos IRDI. In: SURJUS, Luciana; MOYSÉS, Maria Aparecida. Saúde mental de crianças e adolescentes. Ed. Unifesp/Abrasme, 2019. p.41-49.

JERUSALINSKY, Alfredo. Prevenção de saúde mental na primeira infância. Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Câmara dos Deputados. Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Brasília, 2016. p. 316-322.

JERUSALINSKY, Julieta. Detecção precoce de sofrimento psíquico versus patologização da primeira infância: face à Lei 13.438/17, referente ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Estilos da Clínica, São Paulo, 23 (1), p. 83-99, jan./abr. 2018. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v23i183-99. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1415-71282018000100006&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 24 jan. 2021.

KAMERS, Michele. Os riscos da nomeação diagnóstica e o uso de psicofármacos na infância. In: CATÃO, Inês (Org.). Mal-estar na infância e medicalização do sofrimento: quando a brincadeira fica sem graça. Salvador: Ágalma, 2020. p. 208-231.

KUPFER, Maria Cristina; JERUSALINSKY, Alfredo; BERNARDINO, Leda Fischer; WANDERLEY, Daniela; ROCHA, Paulina Schmidtbauer Barbosa; MOLINA, Silvia Eugenia; SALES, Lea Martins; STELLIN, Regina; PESARO, Maria Eugênia; LERNER, Rogério. Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Lat. Am. Journal of Fundamental Psychopatology, 6 (1), p. 48-68, mai. 2009.

KUPFER, Maria Cristina; BERNARDINO, Leda Fischer. IRDI: Um instrumento que leva a psicanálise à pólis. Estilos da Clínica, São Paulo, 23 (1), p. 62-82, jan./abr. 2018. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v23i1p62-82. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/estic/article/view/145065. Acesso em: 24 jan. 2021.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. Petrópolis: Vozes, 1999.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Figuras do infantil: a psicanálise na vida cotidiana com as crianças. Petrópolis: Vozes, 2010.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Por que ir à escola? In: PORTELA DE OLIVEIRA, R. Educação pública no Brasil. Contexto atual e perspetivas para os próximos anos. São Paulo: CENPEC, 2022.

MACHADO, Adriana Marcondes. A experiência sensível e a constituição do problema em um trabalho de intervenção. In: MACHADO, Adriana Marcondes; COUTINHO, Ana Beatriz; FONSECA, Paula Fontana (Orgs.). Concepções e proposições em Psicologia e Educação: a trajetória do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (pp. 29-48). São Paulo, SP: Blucher, 2017.

MERLETTI, Cristina. Autismo em causa: historicidade diagnóstica, prática clínica e narrativas dos pais. Psicologia USP, 29 (1), p. 146-151, 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-656420170062. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65642018000100146&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 24 jan. 2021.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à reabilitação de da pessoas com Transtornos do Espectro do Autista Autismo (TEA). Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção Primária à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Coordenação de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Caderneta da Criança. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.

NUNES, Fernanda. Atuação política de grupos de pais de autistas no Rio de Janeiro: perspectivas para o campo da saúde. Dissertação (mestrado), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, 2014. 147f.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Transtorno do Espectro Autista. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista. Acesso em: 11 set. 2022.

ORSINI, Michael. Autism, neurodiversity and the welfare stare: the challenges of accomodating the neurological difference. Canadian Journal of Political Science, 45 (4), p. 805-827, 2012. DOI: https://doi.org/10.1017/S000842391200100X.

PLAISANCE, Eric. Quais são as práticas inclusivas de educação no mundo contemporâneo? Análises críticas e perspectivas de ação. In: KUPFER, Maria Cristina; PATTO, Maria Helena Souza; VOLTOLINI, Rinaldo (Orgs). Práticas inclusivas em escolas transformadoras: acolhendo o aluno-sujeito. São Paulo: Escuta, 2017. p. 231-248.

RIOS, Clarice. Entre o transtorno mental e a deficiência: os contornos do debate público acerca do autismo no Brasil. Anais da 29ª Reunião brasileira de antropologia. 2014. Disponível em: http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1401978310_ARQUIVO_RBA2014versaoenviada.pdf. Acesso em: 24 jul. 2020.

RIOS, Clarice. “Nada sobre nós, sem nós?” O corpo na construção do autista como sujeito social e político. Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latinoamericana, 25, 212-230, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2017.25.11.a. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-64872017000100212&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 24 jan. 2021.

RIOS, Clarice. Autismo como deficiência psicossocial: contribuições da antropologia. In: CASTRO, Rosana; ENGEL, Cintia; MARTINS, Raysa (Orgs.). Antropologias, saúde e contextos de crise. Brasília: Sobrescrita, 2018. p. 163- 174.

ROSA, Mariana. Aumenta número de estudantes matriculados em escolas especiais. Portal Lunetas. Disponível em: https://lunetas.com.br/aumenta-numero-de-matriculas-em-escolas-especiais/#:~:text=Aumentaram%20as%20matr%C3%ADculas%20em%20classes,segunda%2Dfeira%20(31). Acesso em: 11 set. 2022
Publicado
2023-03-15