DISCURSO JURÍDICO E POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À PROTEÇÃO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: INTERLOCUÇÕES EM TORNO DO TIPO “ABANDONO PATERNO AFETIVO”

Palavras-chave: Parentalidade. Abandono. Paternidade.

Resumo

Em que pese não haver um número absoluto de abandono paterno no Brasil, o Estado brasileiro produz informações que dão conta de ser bastante expressivo tal índice. Contudo, os critérios usados para indicar tal cenário (ausência de registro paterno, ações de reconhecimento de paternidade e de cobrança de alimentos etc.) estão circunscritos à paternidade sanguínea. Paradoxalmente, o Estado brasileiro tem feito movimentos para ampliar o reconhecimento dos vínculos de parentalidade, incorporando o afeto, por exemplo, como elo de constituição familiar. Ocorre que, ao ler os dados do abandono paterno a partir do sangue, o Estado atua, discursivamente, para (1) reforçar a ideia de parentalidade sanguínea e (2) desconsiderar outras formas de parentesco, fazendo eco à sensibilidade social segundo a qual o menor alijado da presença paterna sanguínea permanece abandonado, ainda que, em sua trajetória de vida, experimente os sentimentos associados à filiação paterna com outros sujeitos, tais como padrastos, avós, tios etc. O discurso estatal produzido em torno do abandono paterno é determinante para que a realidade em torno desta categoria seja produzida e compreendida, seja pelos indivíduos particularmente afetados, seja pelo meio social. Partindo da premissa constitucional de proteção aos direitos do menor, e no que concerne ao exercício da paternidade, a produção discursiva do Estado deve ser a de acolher e prestigiar todas as formas de paternidade, tanto por meio de políticas públicas voltadas ao despertar das responsabilidades e deveres paternos, como por ações voltadas a que os menores se reconheçam filhos pela mão de outras figuras familiares que sobre eles exercem o cuidado, como verdadeiros filhos, e não “como se o fossem”. A integração discursiva da paternidade, em todas as suas expressões, tende a diminuir não apenas o abandono paterno em números, mas também os sentimentos associados ao fenômeno.

Biografia do Autor

Melissa Demari, Universidade de Caxias do Sul (UCS)

Mestrado e Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Vale dos Sinos. Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora assistente I da Universidade de Caxias do Sul. É membro do Conselho de Ética em Pesquisa do Hospital Tacchini, na cidade de Bento Gonçalves.

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Publicado
2023-03-15