DISCURSO JURÍDICO E POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À PROTEÇÃO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: INTERLOCUÇÕES EM TORNO DO TIPO “ABANDONO PATERNO AFETIVO”
Resumo
Em que pese não haver um número absoluto de abandono paterno no Brasil, o Estado brasileiro produz informações que dão conta de ser bastante expressivo tal índice. Contudo, os critérios usados para indicar tal cenário (ausência de registro paterno, ações de reconhecimento de paternidade e de cobrança de alimentos etc.) estão circunscritos à paternidade sanguínea. Paradoxalmente, o Estado brasileiro tem feito movimentos para ampliar o reconhecimento dos vínculos de parentalidade, incorporando o afeto, por exemplo, como elo de constituição familiar. Ocorre que, ao ler os dados do abandono paterno a partir do sangue, o Estado atua, discursivamente, para (1) reforçar a ideia de parentalidade sanguínea e (2) desconsiderar outras formas de parentesco, fazendo eco à sensibilidade social segundo a qual o menor alijado da presença paterna sanguínea permanece abandonado, ainda que, em sua trajetória de vida, experimente os sentimentos associados à filiação paterna com outros sujeitos, tais como padrastos, avós, tios etc. O discurso estatal produzido em torno do abandono paterno é determinante para que a realidade em torno desta categoria seja produzida e compreendida, seja pelos indivíduos particularmente afetados, seja pelo meio social. Partindo da premissa constitucional de proteção aos direitos do menor, e no que concerne ao exercício da paternidade, a produção discursiva do Estado deve ser a de acolher e prestigiar todas as formas de paternidade, tanto por meio de políticas públicas voltadas ao despertar das responsabilidades e deveres paternos, como por ações voltadas a que os menores se reconheçam filhos pela mão de outras figuras familiares que sobre eles exercem o cuidado, como verdadeiros filhos, e não “como se o fossem”. A integração discursiva da paternidade, em todas as suas expressões, tende a diminuir não apenas o abandono paterno em números, mas também os sentimentos associados ao fenômeno.
Referências
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Editora Bertrand, 1989. (Coleção Memória e Sociedade)
BRASIL. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2022-05/quase-57-mil-recem-nascidos-foram-registrados-sem-o-nome-do-pai. Acesso em: 22/09/2022, às 15:05 horas.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2975. Acesso em: 01/10/2022, às 14:26 horas.
BRASIL. Decreto-lei 2848/1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 12/09/2022, às 14:19 horas.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 12/09/2022, às 14:15 horas.
BRASIL. Lei 13.010/2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13010.htm. Acesso em: 20/09/2022, às 17:28.
BRASIL. Observatório Terceiro Setor. Disponível em: https://observatorio3setor.org.br/carrossel/289-milhoes-de-familias-no-brasil-sao-chefiadas-por-mulheres/ -:~:text=28,9 milhões de famílias no Brasil são chefiadas por mulheres
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 – SP (2009/0193701-9), 3ª Turma. Recorrente: Antônio Carlos Jamas dos Santos. Recorrido: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Relator: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 10 de maio de 2012. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-eletronica-2015_239_1.pdf. Acesso em: 07/10/2022, às 10:38.
CAVICCHIOLI, Giorgia. Quase 65 pais são presos por dia por deixar de pagar pensão alimentícia. R7, São Paulo, 13 de dez. de 2017. Disponível em: https://noticias.r7.com/sao-paulo/quase-65-pais-sao-presos-por-dia-por-deixar-de-pagar-pensao-alimenticia-13122017. Acesso em 05 out. 2022.
CIA, Fabiana, & Barham, Elizabeth J. Repertório de habilidades sociais, problemas de comportamento, autoconceito e desempenho acadêmico de crianças no início da escolarização. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/2009-10463-005. Acesso em: 02/09/2022, às 16:43.
FONSECA, Cláudia. O abandono da razão: a descolonização dos discursos sobre a infância e a família. In: SOUZA, Edson André Luiz (Org.). Psicanálise e Colonização: leituras do sintoma social no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. Disponível em:
https://pt.slideshare.net/pedrobpfa/o-abandono-da-razo-descolonizao-de-discursos-sobre-infncia-e-famlia-1999. Acesso em: 29/07/2022, às 08:19.
FONSECA, Cláudia. Olhares antropológicos sobre a família contemporânea. In: ALTHOFF, Coleta Rinaldi; ELSEN, Ingrid,; NITSCKE, Rosane Gonçalves (Orgs.). Pesquisando a família: Olhares contemporâneos. Florianópolis: Papa-Livro, 2004b. Disponível em: https://www.academia.edu/1617632/Olhares_antropológicos_sobre_a_família_contemporânea. Acesso em: 22/07/2022, às 15:30.
FONSECA, Cláudia. Concepções de família e práticas de intervenção: uma contribuição antropológica. Saúde Soc., São Paulo, v. 14, n. 2, p. 50-59, ago. 2005. Disponível em:
https://www.academia.edu/1617632/Olhares_antropológicos_sobre_a_família_contemporânea. Acesso em: 06/06/2022, às 21:09.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da Sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Marins Fontes, 2005.
GEERTZ, Clifford. O saber local: Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 2012.
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. Tradução de Paulo Neves. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2013.
SARTI, Cynthia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo: Cortez, 2011.
SCHUCH, Patrice. Antropologia do Direito: Trajetória e Desafios Contemporâneos. São Paulo: BIB. N. 67, 2009a. p. 51-73. Disponível em:
A submissão de originais para este periódico implica na transferência, pelos autores, dos direitos de publicação impressa e digital. Os direitos autorais para os artigos publicados são do autor, com direitos do periódico sobre a primeira publicação. Os autores somente poderão utilizar os mesmos resultados em outras publicações indicando claramente este periódico como o meio da publicação original. Em virtude de sermos um periódico de acesso aberto, permite-se o uso gratuito dos artigos em aplicações educacionais, científicas, não comerciais, desde que citada a fonte (por favor, veja a Licença Creative Commons no rodapé desta página).