GUERRA URBANA: VITIMIZAÇÃO E VIOLÊNCIA POLICIAL MILITAR

Palavras-chave: Violência. Policial Militar. Vitimização. Guerra.

Resumo

O presente estudo consistiu em um esforço para contextualizar e compreender as violências físicas, simbólicas e psíquicas sofridas e praticadas pelos policiais militares do estado de Goiás, dentro e fora da instituição, bem como o que estes fatores podem trazer de prejuízo para os agentes de segurança, suas famílias, a corporação policial militar e a sociedade como um todo, no que diz respeito à prestação do serviço público incumbido a esses profissionais. Especificamente neste artigo, analisou-se questionários com perguntas quantitativas e qualitativas, aplicadas a 656 policiais militares goianos, divididos em três grupos distintos: oficiais e praças; homens e mulheres; e especializados[1] e convencionais. Investigou-se, ainda, como a hierarquia policial militar fomenta o “espírito de guerreiro” no policial militar, contribuindo para um reforço moral nas atitudes práticas dos policiais militares, que são formados e impulsionados, dentro e fora da corporação, para acreditarem e agirem como se estivessem de fato em uma “guerra” que tem, de um dos lados, “nós”, cidadãos “de bem[2]”, pais de família, incluindo os policiais militares, prontos para matar ou morrer; e, do outro lado, estão os inimigos, “eles”, os criminosos, pessoas que não são do bem, portanto, “matáveis”[3], “indignos de vida”[4]. Constatou-se, neste estudo, que o policial militar ora é vítima, ora autor de violências. E, que a violência sofrida não justifica os atos ilegais de arbitrariedade, contudo, podem contribuir para a compreensão da complexa etiologia criminal que impulsiona o derramamento de sangue, seja o sangue do próprio policial militar, ou do cidadão civil morto em confronto com a polícia.

 

[1] São policiais militares especializados aqueles que servem em alguma das unidades especializadas da corporação (Rotam, Bope, Choque, Graer, Giro, COD ou CPE), ou aqueles agentes que possuem ao menos um dos cursos ministrados por aqueles quartéis. E, são policiais militares convencionais, aqueles que não possuem tais cursos de especialização policial militar.

[2] Vários segmentos sociais se autodenominam “cidadãos de bem”, por pertencerem a grupos economicamente ativos, que trabalha e busca sustento de forma legal. Em contraponto, tem-se o entendimento de que as pessoas que não trabalham são a representação do mal, por viverem à margem da lei, reincidindo no cometendo crimes diversos.

[3] AGAMBEN, 1998.

[4] ZACCONE, 2015.

 

Biografia do Autor

Leonardo Bernardes Melo Cavalcanti, universidade federal de goiás

Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado de Goiás. Doutorando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás – PPGIDH/PRPG/UFG.

Cerise de Castro Campos, Universidade de Brasília (UNB)

Doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (2006). Mestrado em Medicina Tropical pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (2001). Possui graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Goiás (1981). Atualmente, é Professora Associada da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás. . É docente permanente do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos, nível Mestrado e Doutorado do Núcleo de Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás. Especialista em Odontopediatria e Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, atuando principalmente nos seguintes temas: Pacientes com Necessidades Especiais, Candida albicans, Vulnerabilidade, Alteridade, Educação em Direitos Humanos, interface entre Bioética e Direitos Humanos. 

Michele Cunha Franco, Universidade Federal de Goiás (UFG)

Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (2004) . Cumpriu programa PDSE/CAPES na University of Alberta Canada e também programa de pós doutoramento PNPD/CAPES junto ao PPGIDH da UFG.  Mestrado pelo UFG (2004). Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC -GO (1994). 

Mauro Machado do Prado

Doutorado em Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (Área de Concentração em Bioética - 2006). Mestrado em Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (Área de Concentração em Bioética - 2002). Especialização em Bioética pelo NEPeB/CEAM/UnB (2000). Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito/UFG (1998-1999). Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Goiás (1988), Graduação em Direito pela Universidade Católica de Goiás (1997). Atualmente, é Professor Associado da Universidade Federal de Goiás. É Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos - Mestrado e Doutorado, da Universidade Federal de Goiás (PPGIDH/NDH/PRPG/UFG).

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Publicado
2021-11-09